Por que a elite conservadora do norte não quer a divisão territorial do Piauí? |
É fácil tecer loas à explosiva produção agrícola dos cerrados piauienses, motivo de orgulho de todos nós, mas omitem que ela é obra exclusiva de anônimos e heroicos produtores. Estes produzem, e engordam nossa pauta de exportações, apesar da falta de apoio dos governos. E poderiam produzir muito mais, se houvesse a infraestrutura necessária, como energia e estradas. É revoltante constatar como esses produtores se sacrificam para manter sofisticadas instalações à base do oneroso diesel. E mais: para não perderem a produção, como se vêem forçados a construir e conservar as estradas que o governo não fez nem conserva. Pois certos governantes (nisto é justo excluir o governador Wilson Martins, que jurou pôr fim às estradas-sonrisal) preferem realizar a política da empulhação: besuntar de asfalto pequenos trechos, embalar a autoestima dos incautos e ganhar o voto dos grotões. Para os truques da propaganda enganosa, quase tudo! Para as obras estruturantes, voltadas para a produção, quase nada! E assim marcha o Piauí, ao longo dos séculos, exibindo os piores índices sociais.
Em tal ritmo, muitos não estão nem aí, por exemplo, para a sorte de milhares de estudantes, os quais, depois de alisarem bancos escolares por anos a fio, não sabem o que fazer com os diplomas que conquistaram com tanto sacrifício para si e suas famílias. E por uma razão tão humilhante quanto constrangedora: as vagas que poderiam ocupar, pelo mérito do concurso público, são entupidas por apaniguados, via pistolão. Muitos também não se abalam ante a necessidade de uma política verdadeira de redução da pobreza e das desigualdades regionais, que deve estribar-se na justa aplicação e distribuição dos recursos públicos. Isto é, em aplicar mais nas regiões mais pobres, de modo a reduzir o abismo entre pobres e ricos. Ao contrário, preferem manter o círculo vicioso da pobreza, dando mais a quem já tem, e enganando os outros com meras esmolas. Por isso, acham natural que o País gaste R$ 50 bilhões na construção da linha de trem-bala entre Rio e São Paulo, ao mesmo tempo em que nega meio por cento desse valor ao metrô de Teresina. Igualmente, preferem distribuir o Bolsa Família (entre R$ 32 e R$ 242 mensais) a milhões de carentes, a promover uma equitativa distribuição dos recursos arrecadados pela União, de modo a abrir oportunidades de trabalho e renda que dignifiquem a cidadania. E não são poucos os travestidos de progressistas que ainda têm a desfaçatez de afirmar que esse é o caminho seguro para o desenvolvimento do Piauí. Por isso, renegando o mandato popular, nada reivindicam ao governo federal, nada trazem de Brasília para o Piauí, esmerando-se em praticar o puxa-saquismo improdutivo.
Pois bem. Tais considerações vêm a propósito da postura de algumas figuras do Piauí face ao movimento pela criação do Estado do Gurgueia. Para combaterem, por sinal com uma odiosidade extremada e injustificável (ameaçam até pegar em armas!), esse projeto redentor concebido por piauienses e voltado para a busca cidadã de uma saída definitiva para a pobreza do Piauí, eles não procuraram aprofundar o estudo do assunto, pois não se esforçaram por pesquisar as causas de nosso processo de empobrecimento; não analisaram nossos humilhantes indicadores econômicos e sociais; as implicações decorrentes da possível criação de outros Estados; os exemplos bem-sucedidos de redivisão territorial nem os ganhos que a redistribuição do bolo tributário nacional traria para as finanças da área territorial que compreende o Piauí, como seria de esperar-se de tantas cabeças doutorais, vaidosas, pedantes, emplumadas. Não! Festivos e preguiçosos como sempre, e preocupados apenas em conservar o poder no qual se refestelam à tripa forra com suas ONGs milionárias (hoje, alvos preferenciais da Polícia por desvios de recursos públicos), recorrem, em busca de opiniões contra o Gurgueia, a determinados tipos de tecnocratas e empresários, sobretudo gente que nada entende do Piauí, não gosta dos piauienses, não conhece nossos problemas nem compreende nossos anseios. Gente que, se tivesse que decidir sobre a viabilidade do Piauí como Estado, por certo o julgaria inteiramente inviável, e até recomendaria sua extinção.
Já não tiraram o Piauí do mapa do Brasil? Já não afirmaram que, se o Piauí fosse extinto, o Brasil nem notaria? Com todo respeito: que esperar, portanto, de gente que, sem ideias próprias, apenas se limita a repetir o que os outros pensam e dizem? Estes, pelo menos, estão a defender seus interesses: não querem que o Nordeste tenha peso econômico e político, permanecendo apenas como fornecedor de mão de obra escrava para suas cozinhas, lavouras e indústrias. E eles? Apenas o tacanho hábito de se conservarem acomodados e pobres, inclusive de espírito.
Um dos argumentos que eles teimam em apresentar diz respeito ao suposto custeio de um novo Estado com novos tribunais, assembleias etc., que estimam em R$ 832 milhões anuais. Ora, bolas, o governo federal, através do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, adquiriu recentemente, por quase R$ 10 bilhões, dois bancos em dificuldades, sediados em São Paulo. Um deles – o Votorantim – pertencia ao grupo de Antônio Ermírio de Moraes, um dos líderes da campanha contra o Gurgueia e porta-voz dos conservadores piauienses. Se aquele for o custo (R$ 832 milhões), que se crie logo o Gurgueia! Não é nada, não é nada, mas o dinheiro jogado no saco sem fundos daqueles bancos daria para mantê-lo por mais de dez anos, com a vantagem de incorporar ao processo de desenvolvimento nacional uma região de grandes potencialidades, infelizmente esquecida dos poderes públicos. E mais: se a conta que fizeram estiver correta, o Gurgueia seria o Estado mais viável do Brasil, pois seu funcionamento custaria menos de um terço do orçamento que teria logo no primeiro ano, estimado em R$ 3 bilhões. Assim, com tamanho superávit financeiro, terá amplas condições de implantar a infraestrutura de que carece para aproveitar adequadamente as riquezas naturais que ostenta, inaugurando nova era de prosperidade para todos – piauienses e gurgueianos.
Convém não esquecer, também, que mais Estados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste significa mais dinheiro circulando fora do Sul Maravilha, provocando a desconcentração da riqueza e do poder, interiorizando o desenvolvimento, gerando produção, emprego e renda, abrindo oportunidades para populações marginalizadas, estancando os humilhantes comboios de boias-frias em busca da miragem sulina e fortalecendo a cidadania. É crime querer o justo?
Artigo escrito pelo acadêmico Jesualdo Cavalcanti Barros, presidente do Centro de Estudos e Debates do Gurgueia, publicado na edição de ontem (17/11/2011) do jornal Diário do Povo.
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